A positivação expressa do direito à proteção de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, no texto constitucional, precisamente no art. 5º, inciso LXXIX, da CF/88, inserido já no ano passado através da Emenda Constitucional nº 115, representou a incorporação de um direito fundamental à proteção de dados ao catálogo de direitos e garantias da Constituição.
A elevação do direito à proteção de dados ao ápice normativo do ordenamento jurídico nacional por meio de assento constitucional, tornando-o um direito fundamental explicitamente autônomo, traz implicações normativas e práticas muito significativas, pois, mesmo o STF já tendo o reconhecido como direito fundamental autônomo e implicitamente positivado (ADI 6.387 MC-Ref/DF), a sua positivação formal carrega consigo uma carga positiva adicional, ou seja, agrega (ou, ao menos, assim o deveria) valor positivo substancial em relação ao atual estado da arte no Brasil.
Aludindo o posicionamento já desde antes adotado pelo STF quanto à proteção de dados, destaca que, além das implicações normativas e práticas trazidas pela positivação expressa na constituição na condição direito fundamental do direito à proteção de dados, este pode (e mesmo deve!) ser associado e reconduzido a alguns princípios e direitos fundamentais de caráter geral e especial, como é o caso, de caráter geral, do princípio da dignidade da pessoa humana, do direito fundamental (também implicitamente positivado) ao livre desenvolvimento da personalidade, do direito geral de liberdade, bem como, de caráter especial, dos direitos especiais de personalidade mais relevantes no contexto, quais sejam — aqui nos termos da CF — os direitos à privacidade e à intimidade, e um direito à livre disposição sobre os dados pessoais, o assim designado direito à livre autodeterminação informativa.
E é exatamente a partir da compreensão do dito direito à livre autodeterminação informativa que se descortina uma importante discussão acerca do fenômeno da “despersonalização da personalidade”, cujos traços se verificam quando as iniciativas econômicas trabalham em prol da desconsideração da pessoa como fundamento e fonte da ordem jurídica, visando ganhos econômicos às expensas da autonomia existencial daqueles que são alvos das plataformas digitais.
À pessoa, na ordem constitucional, é assegurada que se afirme pelo seu modo de ser, de fato sendo um fim em si mesma, sem deixar ser instrumento para fins heterônomos, preservando a sua autonomia existencial. Porém, o ecossistema do discurso on-line e a atmosfera mediática redimensionaram as atividades humanas e remodelaram os seus comportamentos, ou seja, a facilidade de acesso no mundo da virtualização comunicativa não atrai somente a intenção dos usuários, mas traz a reboque a sua maneira de interagir em sociedade, o modo de se manifestar, as suas preferências e, por certo, o seu comportamento.
Assegurar o direito à proteção dos dados pessoais, inclusive nos meios digitais, enquanto direito fundamental, já devidamente positivado no corpo constitucional, é uma missão estatal e social a ser fortalecida com urgência, principalmente quando se verifica o acelerado desenvolvimento de processos direcionados ao esvaziamento da autonomia existencial das pessoas e na usurpação da “vontade de ter vontade” delas, em prol de um projeto de coisificação e instrumentalismo do produto de trabalho das plataformas digitais, o ser humano. As reações ao processo de “despersonalização da personalidade” devem ser o farol da tutela constitucional civil dos direitos da personalidade, resguardando a autonomia da vontade e a personalização do processo econômico, no qual a pessoa não seja um mero fantoche de escolhas anteriores que predizem o seu comportamento e que o “capitalismo de vigilância” não tenha força e o alcance para além do muro do “eu” de cada pessoa.