Podemos conceituar responsabilidade civil como sendo a obrigação que incumbe uma pessoa de ter de reparar os danos causados a outra (indenizar) pela transgressão de uma norma jurídica pré-existente, contratual ou extracontratual.
Sabendo disso, registre-se que o Código Civil de 2002 traz especificamente três artigos que tratam sobre a responsabilidade civil e suas consequências jurídicas, quais sejam: o art. 186 (que trata da responsabilidade civil subjetiva), o art. 187 (que trata do abuso de direito, também conhecido como responsabilidade objeta) e o art. 927, parágrafo único (que trata de duas situações que podem causar responsabilidade objetiva, que são aquelas devidamente especificadas em lei, como por exemplo, a responsabilidade objetiva ambiental, e aquela ocasionada quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos para o direito de alguém, conhecida como Teoria do Risco).
Assim, resumidamente, podemos elencar como requisitos para a configuração da responsabilidade civil ocasionada em virtude de um evento danoso, a conduta, o nexo de causalidade e o dano, sendo elo de diferenciação entre a responsabilidade subjetiva e a objetiva, a necessidade ou não de existência do dolo ou culpa da conduta.
Ao se fazer essa pequena introdução, enfatiza-se que o Código Civil de 2002 trouxe como importante inovação legislativa ao ordenamento jurídico brasileiro, a Teoria do Risco como fundamento da responsabilidade civil objetiva paralelamente a teoria subjetivista da culpa.
Assim, em relação aos acidentes de trabalho ocorridos em atividades de risco, temos duas importantes questões a enfrentar: 1) se o que dispõe o art. 924, parágrafo único, do CPC/02, tem aplicação nas ações acidentárias, diante do que dispõe o inciso XXVIII do artigo 7º da Constituição Federal (que estabelece a responsabilidade subjetiva do empregador), para se reconhecer a responsabilidade objetiva do empregador; 2) o que é atividade de risco para efeito de se aplicar a responsabilidade objetiva.
Inicialmente, é importante frisar que, como não existia no Código Civil de 1916 o instituto da responsabilidade objetiva e que a Constituição Federal de 1988 foi elaborada durante a sua vigência, o seu art. 7°, inciso XXVIII, prevê que a responsabilidade civil do empregador seria subjetiva em relação a danos causados a seus empregados.
Todavia, com a publicação do Código Civil de 2002, em que houve uma evolução desse entendimento, passaram a existir hipóteses de responsabilidade objetiva baseada no risco da atividade, momento em que a jurisprudência começou a ver na necessidade de ter que se amoldar a essa nova roupagem e a evoluir.
Assim, quanto ao primeiro questionamento feito acima, interpretando sistematicamente o artigo 7º da Constituição Federal com o seu inciso XXVIII, não há maiores dificuldades em acolher a tese. Logo após a entrada em vigor do Código Civil de 2002, poucos ousavam estender a aplicação da nova teoria do risco nos acidentes de trabalho, tendo em vista a expressão do inciso XXVIII do artigo 7º da Constituição Federal que assegura a responsabilidade subjetiva do empregador pelas indenizações de natureza civil.
Mas, como o Direito é dinâmico, empurrado pelos fatos sociais, logo a jurisprudência trabalhista passou a acolher essa tese, como ilustrativamente se vê da decisão seguinte, do TST:
“Ementa: Dano moral. Responsabilidade civil do empregador. Acidente do trabalho. 1. O novo Código Civil Brasileiro manteve, como regra, a teoria da responsabilidade civil subjetiva, calcada na culpa. Inovando, porém, em relação ao Código Civil de 1916, ampliou as hipóteses de responsabilidade civil objetiva, acrescendo aquela fundada no risco da atividade empresarial, consoante previsão inserta no parágrafo único do artigo 927. Tal acréscimo apenas veio a coroar o entendimento de que os danos sofridos pelo trabalhador, decorrentes de acidente do trabalho, conduzem à responsabilidade objetiva do empregador. 2. A atividade desenvolvida pelo reclamante — teste de pneus — por sua natureza, gera risco para o trabalhador, podendo a qualquer momento o obreiro vir a lesionar-se, o que autoriza a aplicação da teoria objetiva, assim como o fato de o dano sofrido pelo reclamante decorrer de acidente de trabalho. Inquestionável, em situações tais, a responsabilidade objetiva do Empregador” (TST — RR — 422/2004-011-05-00; 1ª Turma; DJ — 20/3/9; relator ministro Lélio Bentes Corrêa).
De acordo com o ministro Lélio Bentes Corrêa, a expressão “riscos da atividade econômica” deve ser compreendida de forma ampla. Assim, “não estão englobados apenas os riscos econômicos propriamente ditos, como o insucesso empresarial ou as dificuldades financeiras, mas também o risco que a atividade representa para a sociedade e, principalmente, para seus empregados”. O ministro ressaltou que o princípio da responsabilidade objetiva, quando se trata de dano ligado à integridade física do trabalhador, “se justifica plenamente”.
Aplicando a responsabilidade objetiva no referido caso, o ministro Vieira de Mello construiu uma analogia com o Código de Defesa do Consumidor (CDC), em que a responsabilidade objetiva é atribuída à empresa no caso de um produto que oferece risco ao consumidor pela sua elaboração, confecção e utilização. Ele argumentou que se o consumidor compra o pneu, o pneu fura e provoca um acidente, a empresa vai responder objetivamente. No entanto, se o empregado trabalha nessa linha de produção, fazendo o teste desses produtos, correndo o risco de um dano físico, pela teoria da responsabilidade subjetiva teria de provar a culpa da empresa. “Seria um contrassenso exigir a prova da culpa da empresa quando se trata do trabalho humano e, ao contrário, não haver essa exigência quando se trata do risco pela simples utilização do produto”, afirmou.
E, quanto à segunda questão — o que é atividade de risco —, cabe observar que estamos diante de um conceito aberto e não de uma regulamentação expressa sobre o que seja atividade de risco. Assim, a tarefa de enquadrar cada caso concreto como atividade de risco é da jurisprudência, com o auxílio da doutrina, aplicando a legislação existente.
Por fim, é importante enfatizar que o STF também já fixou tese de repercussão geral a respeito da responsabilidade civil da empresa, qual seja, “O artigo 927, parágrafo único, do Código Civil é compatível com artigo 7º, inciso XXVIII da Constituição Federal, sendo constitucional a responsabilização objetiva do empregador por danos decorrentes de acidentes de trabalho nos casos especificados em lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida por sua natureza apresentar exposição habitual a risco especial, com potencialidade lesiva e implicar ao trabalhador ônus maior do que aos demais membros da coletividade”.
Dessa forma, pode-se concluir que houve uma evolução da jurisprudência brasileira que, por meio de uma interpretação sistemática, adaptou a interpretação dada ao artigo 7°, inciso XXVIII, da Constituição Federal a nova realidade apresentada pelo Código Civil de 2002, a fim de considerar constitucional a responsabilidade civil objetiva do empregador por danos decorrentes de acidentes de trabalho em que a atividade desenvolvida pelo empregador possa causar um potencial risco ao empregado.