Em publicações anteriores discutiu-se sobre alterações e novidades trazidas pela Lei 14.230/2021, na Lei de Improbidade Administrativa-LIA (Lei nº 8.429/1992), no que diz respeito às normas materiais e processuais, pontuando-se sobre sua repercussão nos processos em curso seja na fase de conhecimento seja na fase de execução.
Dito isso, repisa-se que a referida Lei redesenhou a lei de improbidade administrativa dispondo que a configuração da responsabilidade civil por ato de improbidade exige a comprovação da responsabilidade subjetiva dolosa, fixando também o prazo de prescrição em 8 anos contados da ocorrência do fato ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessou a permanência (art. 23), mas trazendo marcos interruptivos da prescrição (art. 23, §4º) e a prescrição intercorrente; assim verificada uma das causas interruptivas, “o prazo recomeça a correr do dia da interrupção”, mas “pela metade do prazo previsto no caput deste artigo” (art. 23, § 5º).
Assim, ante o fato de o art. 1º, § 4º, da nova lei ser expresso ao dispor que “aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador“. Bem como, o inciso XL do art. 5º da CF/88 dizer que “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”, passou-se a indagar se seria tal comando aplicável retroativamente aos implicados em improbidade administrativa, diante desta legislação.
Nesse contexto, elucida-se que o Supremo Tribunal Federal no Agravo em Recurso Extraordinário 843.989, relatado pelo Min. Alexandre de Moraes, reconheceu a repercussão geral da matéria constitucional, para definir eventual (IR)RETROATIVIDADE das disposições da Lei 14.230/2021, em especial, em relação: (I) a necessidade da presença do elemento subjetivo – dolo – para a configuração do ato de improbidade administrativa, inclusive no art. 10 da LIA; e (II) a aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente (Tema 1199).
Isto posto, data vênia, todos os posicionamentos e discussões já dirimidos sobre a matéria, elucida-se o posicionamento do ministro relator, que na última sessão de julgamento realizada no dia 04/08/2022, proferiu seu voto entendendo que: “1) É necessário a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se – nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA – a presença do elemento subjetivo – DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) Aplicam-se os princípios da não ultra-atividade e tempus regit actum aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, em respeito ao ato jurídico perfeito e em observância aos princípios da segurança jurídica, do acesso à Justiça e da proteção da confiança, garantindo-se a plena eficácia dos atos praticados validamente antes da alteração legislativa”.
Abrindo divergência, o Min. André Mendonça entendeu de modo diverso, destacando que “como a distinção entre atos intencionais e não intencionais para a imputação de responsabilização jurídica é oriunda do direito penal, não é possível afastar a aplicação do princípio da retroatividade da lei mais benéfica, inclusive, para as decisões definitivas. Contudo, a aplicação do princípio valeria apenas para os casos de responsabilização exclusivamente por ato não intencional (culposo) e desde que o sentenciado ajuíze uma ação rescisória”.
Frente aos posicionamentos explanados, sendo a retroatividade da lei mais benéfica um princípio ínsito ao Direito Sancionador — e com assento constitucional, confirmado no art. 1º, § 4º da novatio legis in mellius — não há (ou pelo menos não deveria haver) margem para dúvida quanto a retroatividade da Lei 8.429/92 em face das alterações promovidas pela Lei 14.230/21, pois o ponto de partida sobre a discussão acerca da retroatividade da Lei de Improbidade Administrativa deve se dar a partir do princípio de que a lei mais benéfica retroage para beneficiar o réu.
Isto posto, registra-se que o julgamento do (ARE) 843989, com repercussão geral (Tema 1.199), deve ser retomado nas próximas semanas, com os votos dos demais ministros. Contudo, valendo-se dos votos proferidos até o momento espera-se que a discussão no campo da moralidade não supere a discussão do Direito em si.