O setor de iGaming, que abrange plataformas de apostas esportivas e jogos online, vem ganhando espaço no Brasil em meio a um cenário regulatório em transformação. A promulgação da Lei nº 14.790/2023 representou um marco inicial na formalização da atividade, mas ainda persiste uma série de lacunas normativas e operacionais que desafiam os programas de compliance. Nesse contexto, a atuação preventiva, baseada em gestão de riscos e governança, torna-se indispensável para garantir a sustentabilidade jurídica e reputacional das operadoras.

Um dos principais obstáculos enfrentados pelo compliance no iGaming é a insegurança jurídica. A ausência de um marco regulatório unificado, aliada à atuação dispersa de múltiplos órgãos fiscalizadores, como Coaf, Senacon, impõe exigências sobrepostas e muitas vezes conflitantes. Além disso, operadoras internacionais enfrentam o desafio de adequar-se simultaneamente a normas brasileiras e a exigências de jurisdições mais maduras, como Malta e Reino Unido, especialmente em temas sensíveis como prevenção à lavagem de dinheiro (PLD), proteção de dados e licenciamento.

Outro ponto de atenção é o risco financeiro associado ao volume e à velocidade das transações. Plataformas de iGaming lidam com milhares de operações por minuto, o que demanda sistemas robustos de monitoramento para detectar movimentações suspeitas, fraudes e comportamentos atípicos de apostadores. A implementação efetiva de mecanismos de Know Your Customer (KYC), trilhas de auditoria e ferramentas de automação ainda é incipiente em muitas empresas, sobretudo nas de menor porte, que carecem de estrutura e cultura de integridade consolidadas.

O compliance também tem papel central na promoção de um ambiente de jogo responsável. Além da conformidade legal, espera-se das operadoras o desenvolvimento de políticas voltadas à prevenção do vício em jogos, ao controle de limites financeiros e à oferta de mecanismos de autoexclusão. Em um ambiente de publicidade agressiva e captação massiva de usuários, torna-se cada vez mais necessário um equilíbrio entre estratégia comercial e responsabilidade social corporativa.

Apesar das dificuldades, o setor apresenta oportunidades relevantes para consolidação da função de compliance como área estratégica. A evolução das normas brasileiras, o avanço de tecnologias de monitoramento (RegTechs) e a crescente demanda por práticas transparentes abrem caminho para um novo modelo de governança. Empresas que se posicionarem de forma proativa tendem a ganhar não apenas licenças operacionais, mas também a confiança de investidores, parceiros e consumidores.

Em síntese, o compliance no iGaming precisa deixar de ser apenas um instrumento de resposta a exigências regulatórias e assumir papel de liderança na definição de práticas éticas, sustentáveis e transparentes. O momento é propício para o amadurecimento da função, desde que os profissionais da área estejam preparados para atuar de forma multidisciplinar, conectando direito, tecnologia, finanças e reputação em um mercado ainda carente de referências sólidas.

 

BRUNA FERREIRA DE ANDRADE PEDROSA. Advogada. Pós-graduada em Direito Tributário e Processo Tributário pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do RS. Certificação Profissional em  implementação e gestão de Compliance Anticorrupção (CPC-A) pela FGV – LEC.