Dia 19 de agosto de 2022 o Supremo Tribunal Federal finalizou o julgamento do Agravo em Recurso Extraordinário n° 843989, o qual definiu tese de repercussão geral da matéria constitucional para definir eventual (IR)RETROATIVIDADE das disposições da Lei 14.230/2021, que alterou substancialmente a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992).
A tese do Tema 1199 (no ARE n° 843989), após o voto de todos os Ministros, fixou os seguintes termos: “1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se – nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA – a presença do elemento subjetivo – DOLO;
2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; e 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei“.
Assim, definiu-se que a novatio legis in mellius não retroage para interferir na coisa julgada, podendo retroagir para as ações em curso que se discuta a modalidade culposa, a qual deixou de existir com o advento da nova lei, devendo o juízo competente avaliar a presença do dolo agora exigido por parte do agente. Assim como, o novo prazo prescricional — de oito anos — e a prescrição intercorrente — no curso do processo — também não retroagem, mesmo para processos em curso, sendo computado para esses, a partir da publicação desta nova lei.
Com efeito, sobre a questão da natureza da ação de improbidade administrativa discutida pelos Ministros em seus votos, sabe-se que a Ação de Improbidade é não penal, classificada potencialmente de modo residual como ação cível “lato sensu”, o que, por outro lado, não a coloca em pé de igualdade com demandas cíveis em sentido estrito.
Dito isto, situamos que a ação de improbidade — inclusive com fundamento no artigo 17-D da Lei nº 8.429, com redação dada pela reforma — está na seara administrativo-sancionadora, que, a exemplo do direito penal, retira seu fundamento de validade da matriz punitiva estatal.
Isso quer dizer que, inobstante não penal, a ação de improbidade partilha sim, com a norma sancionadora penal, diversas garantias constitucionais, a exemplo da vedação ao bis in idem, do contraditório, da não transcendência pessoal da pena e da presunção de inocência, elementos esses, de um modo ou de outro, presentes na aludida Lei e aplicáveis pela jurisprudência em facetas do direito administrativo sancionador.
Ademais, quanto ao recorte da aplicabilidade da nova lei aos processos em curso, o debate deu-se em saber se as normas oriundas da reforma, quando benéficas ao réu, retroagiriam ou não para atingir fatos passados.
Neste caso, a conclusão alcançada pelo Tribunal foi uma “retroatividade temperada”, a não alcançar decisões transitadas em julgado e a prescrição geral, entendendo-se pela irretroatividade.
Neste ponto, não vislumbramos razões para que a retroatividade não alcançasse as decisões transitadas em julgado, pois a proteção constitucional à coisa julgada inegavelmente existe, mas encontra no próprio artigo 5º, inciso XL, da CF, flexibilização.
O mesmo se dá com relação à prescrição geral, norma de direito material, uma vez que é curioso que a retroatividade tenha contemplado a revogação da culpa, mas não a prescrição geral.
De toda sorte, o item 4 da tese assentou que “O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é irretroativo, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei”. Contudo, é forçosa a reflexão que a tese diga respeito apenas à modalidade intercorrente, sob pena de pretensões anteriores à lei, alcançadas pela majoração da prescrição geral, acarretarem uma retroação da norma mais gravosa.
Em conclusão, sobre o julgado em si, vemos que alguns pontos restam controversos e seja como for, ao menos da tese fixada, acabou-se por constar que, quanto à revogação da culpa nos processos em curso, o que se dá é, de fato, retroatividade.