É cediço que a autonomia e independência das instâncias punitivas é para o Estado Democrático de Direito um avanço nas possibilidades de limitar as condutas individuais, impedir desvios e principalmente impor sanções às ilicitudes cometidas. Uma mesma conduta pode constituir, simultaneamente, irregularidade administrativa, civil e penal, sem que tais condenações dependam uma da outra.
Entrementes, o constante choque de decisões de instâncias punitivas diferentes e interpretações acerca da tradicional teoria da autonomia e independências das instâncias levaram parte da doutrina a perceber que tal teoria não é absoluta, mas relativa, ao tempo em que, levando em consideração determinadas hipóteses, um resultado pode repercutir direta ou indiretamente nas demais órbitas.
Assim, a teoria da autonomia e independência das instâncias sob a perspectiva dos princípios fundamentais e do Estado Democrático de Direito, como mecanismo de enfrentamento e correção das complexas problemáticas decorrentes de condutas indevidas perpetradas pelos indivíduos, já não se mostra mais suficiente ou adequada em solucionar tais situações.
É assente que a teoria da unidade do poder punitivo evolui ao ponto de ser o principal fundamento para a aplicação do princípio da vedação ao bis in idem na relação entre as esferas penal, cível e administrativa, por rejeitar que a mesma pessoa seja punida em tais instâncias pelos mesmos fatos e sob o mesmo fundamento.
Nesse contexto, a independência das instâncias punitivas, por autorizar que órgãos administrativos possam desconsiderar o judicialmente firmado, legitima a reiteração punitiva ao permitir que o acusado seja processado e/ou sancionado nas instâncias penal e administrativa geral, ou, ainda, em outras esferas, pelos mesmos fatos e fundamentos, o que claramente atinge o ne bis in idem e materialmente o Estado de Direito.
Ou seja, essa sistemática submete as pessoas a reiteradas punições administrativas pelos mesmos ilícitos, em decorrência da competência punitiva que é reconhecida a todos os entes federados sobre determinadas matérias, uma vez que a grande parte da doutrina majoritária defende que os entes federados detêm competência para expedir leis (ou mesmo regulamentos) que imponham sanções punitivas em razão da competência material comum prevista no art. 23 da CRFB/88 e das competências legislativas, concorrente ou suplementar, estabelecidas em seus artigos 24 e 30, II.
Por tais razões, eis que se mostra translúcido que a interdependência e comunicabilidade das instâncias tem assento constitucional, pois, ao se considerar que a liberdade e a segurança jurídica fundamentam a vedação de reiteração de procedimentos punitivos, entendeu-se que seria contrária ao Estado Democrático de Direito a perene situação de incerteza que recai sobre a pessoa submetida a vários procedimentos para averiguação do mesmo fato, sujeitando-a (tentar) provar sua inocência diversas vezes perante o Estado.