Há décadas, os hospitais enfrentam ações judiciais promovidas por pacientes e seus familiares que apontam a ocorrência de “erro” praticado pelos médicos (ou pela equipe composta por eles) que os atenderam nas suas dependências, tendo aqueles profissionais sido ou não disponibilizados ou contratados pelos estabelecimentos de saúde.
Invariavelmente, pequenas fortunas são pleiteadas para minimizar a alegada dor física e/ou emocional gerada pelo dito engano ou desregramento dos profissionais médicos, conduta em relação às quais os hospitais não raramente são instados a se responsabilizar financeiramente, de forma solidária.
Há condutas inadequadas. Mas também há mau resultado, acidentes imprevisíveis ou irremediáveis e reações próprias e inesperadas do organismo do paciente a medicamentos ou intervenções compatíveis e indicados para a sua doença ou para a situação clínica apresentada no momento do atendimento.
O problema a ser enfrentado pelo Judiciário é justamente identificar, da forma mais precisa que for possível, se o ato ou a conduta adotada pelo médico causou ou contribuiu para o estado de saúde em que se encontra o paciente descontente ou se aquela consequência seria inexorável, diante da gravidade do mal que o afligia. Em outras palavras: o agir (ou não agir) do médico foi determinante para selar o destino do paciente ou ele “já estava traçado”?
Caberia ao hospital, nas dependências do qual o ato médico foi praticado, pagar pela conduta técnica escolhida e executada autonomamente pelo médico?
O hospital pode vir a responder pelo “erro médico” cometido por profissional que não possui qualquer vínculo com o estabelecimento, mas utiliza as suas dependências para a realização de cirurgia e internação de pacientes?
Trazendo essas indagações, é importante pontuar importante julgado realizado pela a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que decidiu claramente que o hospital não tem de indenizar paciente por erro praticado por médico sem vínculo de emprego ou subordinação com o estabelecimento e que apenas utiliza suas dependências para operações e exames.
Referida decisão unânime segue precedente da 2ª Seção do STJ (REsp 908.359), que afastou a responsabilidade objetiva dos hospitais pela prestação de serviços defeituosos oferecidos por profissionais que atuam na instituição sem vínculo trabalhista ou de subordinação.
O entendimento da 3ª Turma foi firmado ao julgar Recurso Especial envolvendo um hospital, uma médica e uma paciente de São Paulo. Esta alega que a inibição do parto ocasionou a morte do feto. O juízo de primeiro grau condenou a médica a pagar R$ 144.000,00 (cento e quarenta e quatro mil reais) a título de dano moral, mas afastou a condenação do hospital.
Isso, porque, de acordo com a Ministra Relatora Nancy Andrighi, nos termos da jurisprudência, o hospital não pode responder objetivamente pelos erros cometidos pelos médicos que não tenham vínculo com a instituição. “A responsabilidade do hospital somente tem espaço quando o dano decorrer de falha de serviços cuja atribuição é afeta única e exclusivamente à instituição de saúde”, disse.
Na festejada decisão, ressalte-se, ainda, que o caso diz respeito à responsabilidade oriunda de “equivocada condução da médica” que acompanhou a paciente, e “não do exercício de atividades e dos serviços prestados pelo hospital estritamente considerados”, reforçando a importância de os hospitais/clínicas manterem atualizada a relação de membros do corpo clínico que atuam diretamente na prestação de serviços médicos.
Portanto, nas demandas judiciais em curso, ou naquelas que possam vir a surgir, é importante que a instituição identifique se o atendimento realizado ao paciente foi feito por profissional membro do corpo clínico, pois, quando a falha técnica é restrita ao profissional médico, sem vínculo com o hospital/clínica, não cabe atribuir à instituição a obrigação de indenizar, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça.
Por oportuno, vale lembrar que as decisões proferidas pelo STJ não têm força vinculante erga omnes, podendo os Tribunais Regionais adotarem teses contrárias, ensejando, entretanto, recurso junto aos Tribunais Superiores para a consolidação deste entendimento favorável aos estabelecimentos de saúde.
Nesta linha, certo é que o novo Código de Processo Civil estabelece de forma expressa que “os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente” (art. 926), sendo que essa busca pela uniformização se traduz em respeito aos precedentes e ao sistema judiciário como um todo (art. 927 e art. 489, § 1.º, V e VI; art. 985, I e II; art. 1.039 etc.).
Assim, constata-se pela análise da amplitude das decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça que a tendência da Corte é no sentido de definir que a responsabilidade dos hospitais deve ser aferida a partir da verificação do dano provocado pela falha dos serviços (materiais, equipamentos etc.) que eles disponibilizam ao paciente, além de malefícios causados pontualmente pela equipe de profissionais composta por celetistas.
Em relação a eventual irregularidade aferida na conduta técnica e profissional do médico, caberá exclusivamente a este indenizar o paciente no caso de condenação advinda em razão da existência de dano, desde que fique comprovada a culpa (subjetiva) no seu proceder.
Não tendo o médico nenhuma vinculação com o hospital, nem empregatícia e nem de preposição, não cabe atribuir àquele a obrigação de indenizar em razão do mero exercício da prática médica nas suas dependências.