O art. 1º, I, g, da LC no 64/1990 (Lei das Inelegibilidades) define que são inelegíveis para qualquer cargo “os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos oito anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição”.
Da leitura acima, nota-se que um dos requisitos para a incidência da causa de inelegibilidade do artigo transcrito é a existência de decisão irrecorrível do órgão competente para julgar as contas referentes ao exercício de cargos ou funções públicas.
Sabendo disso, pretende-se aqui examinar a competência para julgamento das contas de gestão prestadas anualmente pelo chefe do Poder Executivo Municipal, ou seja, dos ocupantes do cargo de Prefeito.
Antes, porém, vale comentar que, nos termos dos arts. 49, IX, e 71, I, da CF/1988, a competência para deliberar a respeito das contas prestadas pelo chefe do Poder Executivo Federal é do Poder Legislativo, cabendo ao Tribunal de Contas apenas a emissão de parecer prévio.
Nesse ponto, importa registrar que, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal – por ocasião do julgamento do RE nº 132.747/DF – essa regra de competência se estende aos demais entes federativos, senão vejamos: “[…] INELEGIBILIDADE – PREFEITO – REJEIÇÃO DE CONTAS – COMPETÊNCIA. Ao Poder Legislativo compete o julgamento das contas do Chefe do Executivo, considerados os três níveis – federal, estadual e municipal. O tribunal de contas exsurge como simples órgão auxiliar, atuando na esfera opinativa – inteligência dos artigos 11 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, 25, 31, 49, inciso IX, 71 e 75, todos do corpo permanente da Carta de 1988. […]”
Assim, quanto aos chefes do Poder Executivo Municipal – objeto desse artigo –, a competência para julgamento das contas é da Câmara Municipal, cabendo ao Tribunal de Contas apenas a emissão de parecer prévio. Aliás, é assim que estabelece o § 1°, do art. 31, da CF/1988.
Além disso, é importante mencionar que, recentemente, o Tribunal Superior Eleitoral reforçou que compete à Câmara Municipal o julgamento das contas prestadas anualmente pelo Prefeito e esclareceu que essa competência não se modifica na situação em que ele atua como ordenador de despesas.
Assim, a partir dessa compreensão, extrai-se que o disposto no inciso II, do art. 71, da CF/1988, a que faz referência o art. 1°, I, “g”, da LC n° 64/1990 e que define que as contas do ordenador de despesas serão julgadas pelo Tribunal de Contas, não se estende a prestação de contas de Prefeitos.
Aliás, esse é o entendimento firmado pelo TSE por ocasião do julgamento do AgR-REspe nº 174-43/PI: “[…] 1. Este Tribunal firmou entendimento no sentido de que a Câmara Municipal é o órgão competente para julgar as contas do prefeito, inclusive como ordenador de despesas, e que, nesse caso, ao Tribunal de Contas cabe apenas a emissão de parecer prévio, não incidindo, portanto, a ressalva do art. 1º, I, g, da Lei Complementar nº 64/1990. Ressalva de entendimento do relator. […]”
Todavia, apresenta-se como exceção à regra de competência do art. 31 da CF/1988, o julgamento dos convênios firmados entre município e outro ente da Federação, já que, nessas situações, o órgão competente para deliberar sobre as contas prestadas pelo prefeito será o Tribunal de Contas, e não a Câmara Municipal, consoante compreensão sedimentada na Corte Superior Eleitoral (AgR-REspe nº 101-93/RN).
Finalmente, em relação à deliberação das contas pelo Poder Legislativo Municipal, cabe destacar que o parecer prévio do Tribunal de Contas apenas não prevalecerá diante de decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal (art. 31, § 2º, da CF).
Constata-se, portanto, que é imprescindível o julgamento expresso da Câmara Municipal a respeito das contas apresentadas, ainda que lei orgânica determine que a ausência de decisão do Poder Legislativo Municipal sobre as contas de prefeito permitirá que prevaleça o parecer técnico emitido pelo Tribunal de Contas (AgR-REspe nº 127-75/SP).
Assim, conclui-se que as contas anuais de prefeito, como gestor e ordenador de despesas, devem ser apreciadas pelo Tribunal de Contas e julgadas pela Câmara Municipal – salvo convênios firmados com outros entes da Federação – sendo que, para a incidência da inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da LC no 64/1990, além dos demais requisitos indicados no mencionado dispositivo, o Prefeito deve ter suas contas expressamente rejeitadas pela Câmara Municipal, não sendo suficiente a mera emissão de parecer técnico do Tribunal de Contas.