A promulgação do Decreto nº 12.636, de 2025, regulamentando a Lei nº 14.717, de 2023, inaugura um marco relevante na proteção jurídica de crianças e adolescentes que perderam suas mães em decorrência de feminicídio. A norma regulamentadora aprofunda os mecanismos de operacionalização da pensão especial, estabelecendo critérios objetivos, procedimentos administrativos e salvaguardas institucionais para assegurar efetividade a esse direito.
Essa política pública se apresenta como uma forma de reparação simbólica diante de uma das formas mais cruéis e estruturais de violência de gênero: o feminicídio, expressamente previsto no artigo 121-A, do Código Penal.
A regulamentação traz avanços substanciais ao detalhar os critérios de elegibilidade: o benefício destina-se a filhos ou dependentes menores de 18 anos na data do óbito de mulher vítima de feminicídio, inclusive mulheres transgênero, o que confere à norma um viés inclusivo e coerente com princípios antidiscriminatórios. Exige-se, ainda, que a renda familiar per capita seja igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo, alinhando-se aos parâmetros já consagrados na política de assistência social.
O valor da pensão especial corresponde a um salário mínimo, dividido igualmente entre os dependentes habilitados. Por sua vez, a concessão é condicionada à apresentação de documentação comprobatória, tais como: certidão de nascimento ou documento que comprove a relação de dependência, inscrição ativa e atualizada no CadÚnico, e elementos que demonstrem o feminicídio, como por exemplo o auto de prisão em flagrante, denúncia do Ministério Público ou sentença judicial.
A duração do benefício está limitada à maioridade do dependente, com a possibilidade de cessação antecipada caso desapareçam os requisitos legais, incluindo decisão judicial que desqualifique a materialidade do feminicídio. O INSS, órgão responsável pela administração do benefício, deverá promover revisões periódicas para verificação do cumprimento das exigências legais, em especial a renda familiar e a atualização do CadÚnico.
Nesse contexto, o Decreto nº 12.636/25 representa mais do que a regulamentação de um benefício, pois trata-se de um instrumento jurídico que reconhece o dever do Estado em proteger as vítimas indiretas da violência de gênero, promovendo a justiça social e assegurando o mínimo existencial a crianças e adolescentes em situação de extrema vulnerabilidade.
Essa iniciativa sinaliza o fortalecimento do pacto constitucional de proteção integral e reafirma o compromisso público com a erradicação da violência contra a mulher e seus efeitos intergeracionais.
KAREN LUCHESE S. SOARES CAVALCANTE
Graduada em Direito pela faculdade ESTÁCIO. Pós-graduada em Direito do Trabalho e Previdenciário pela FAR – Escola do Legislativo Teresina/PI. Advogada.

