Antes de adentrar à inovação que a Lei nº 8.429/1992 (atual Lei de Improbidade Administrativa) trouxe ao cenário jurídico nacional, precisamos entender o que, tradicionalmente, a Ordem Jurídica Brasileira, especialmente, no que tange aos ilícitos civis (art. 186 do Código Civil de 2002), adota como sistema de responsabilização.
No nosso Sistema Jurídico, a responsabilização pelos atos ilícitos deve se dar de forma ampla, como preceitua o art. 927, caput e parágrafo único do Código Civil. Isso significa, que a responsabilização geral tem, por fundamento, a teoria da culpa, de tal modo que todo aquele que (por dolo ou culpa) ferir a órbita moral e/ou patrimonial de alguém deverá responder pela indenização pertinente (danos materiais e/ou morais). E, nos casos, que não haja intenção, mas, ainda assim, se concretize, por força do risco da atividade, lesão às órbitas moral e/ou patrimonial do outro, a Lei Civil não desampara o prejudicado, pois no §1°, do art. 927 prevê a responsabilização com fundamento na teoria do risco (responsabilidade objetiva).
Sendo assim, nosso Sistema Jurídico foi todo moldado para prevenir e reparar os atos ilícitos, seja pela responsabilização subjetiva, seja pela objetiva.
Neste sentido, a atual Lei de Improbidade Administrativa, Lei nº 8.429/1992 adequa-se perfeitamente ao nosso ordenamento, uma vez que prevê responsabilização tanto pelo ato ímprobo doloso como culposo.
Nessa esteira de raciocínio, assenta-se que o Projeto de Lei n° 10.887/2018 (n° atual 2505/2021) trouxe alterações pertinentes neste ponto, pois revoga o art. 5º da redação original da Lei nº 8.429/1992, lançando fora a possibilidade de responsabilização por ação culposa.
Deste modo, a simples revogação deste artigo afasta a expressa previsão de recomposição do patrimônio público, por ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro, bem como suprime por inteiro o necessário ressarcimento integral do dano.
Neste ponto, sublinha-se o art. 5º da LIA tem ligação indissociável com as disposições dos atos de improbidade constantes nos artigos 9º, 10º e 11º (redação original). No art. 9º (atos de improbidade administrativa que importam enriquecimento ilícito), sabe-se que a presença do elemento subjetivo é evidente, exigindo-se a comprovação do dolo, seja nas condutas comissivas ou omissivas. Bem como, nos arts. 10º-A (ato ímprobo de conceder/manter/aplicar benefícios tributários de forma indevida) e 11° (atos de improbidade administrativa que atentam contra os Princípios da Administração Pública) admite-se responsabilização pela ação ou omissão nos casos de conduta dolosa.
Já, no art. 10° (atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao Erário) admite-se a responsabilização pelo ato ímprobo seja ele doloso ou culposo.
Por conseguinte, observa-se que os mencionados artigos dialogam entre si, apontando ampla responsabilização pelos atos ímprobos e necessária reparação integral do dano e perda de bens auferidos ilegalmente (art. 6º).
Nesse ínterim, importa registrar ainda que há atos culposos que, na prática, possuem maior gravidade que atos dolosos, sobretudo em razão das repercussões que podem ocasionar. Por exemplo, a atuação negligente de um gestor, ao não prestar contas ao órgão concedente ou não apresentar documentação aos órgãos fiscalizadores e administrativos da União pode levar o Município a ficar inadimplente junto ao Governo Federal, impedindo-o de receber transferências voluntárias de outros entes da federação.
Sendo assim, as alterações propostas pelo Projeto de Lei n° 10.887/2018 contradizem a linha principal da redação original da LIA, pois extingue a modalidade culposa de ato de improbidade administrativa, enfraquecendo significativamente a intenção e a força deste normativo.