Do latim liturgĭa que, por sua vez, deriva de um vocábulo grego que significa “serviço público”, a liturgia é a ordem e a forma com que se realizam as cerimonias de culto numa religião. O termo também pode ser utilizado para fazer referência ao ritual das cerimonias ou atos solenes que não são religiosos, no caso do poder judiciário trata-se de uma característica tradicional que denota o respeito entre seus membros e os jurisdicionados.
A liturgia no Poder Judiciário é um assunto frequente, como exemplo, em 2019 o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio de Mello, evocou, durante um julgamento, a deferência a liturgia nas sessões plenárias durante uma sustentação oral de uma advogada.
Na última terça, o mesmo magistrado iniciou um novo debate no meio jurídico, quando participou de uma sessão virtual trajando uma camisa polo e não a tradicional toga, como os demais julgadores. No mesmo sentido, observamos julgadores de outros tribunais regionais seguindo o exemplo e participando dos julgamentos de maneira informal.
No momento de isolamento social, se questiona a obrigatoriedade de seguir a liturgia do ambiente formal e suas respectivas regras regimentais, mesmo estando em casa. Faria alguma diferença, a obediência ou não a liturgia, na análise dos autos? O advogado teria a mesma prerrogativa de ser informal como os julgadores?
Devemos lembrar que a liturgia do poder adorna os palcos institucionais e exerce o dom de conferir grandeza aos atos e atitudes dos membros da hierarquia, representando o respeito entre os operadores de direito e aqueles que dependem do funcionamento da estrutura jurisdicional.
Ademais, deve-se sublinhar que o judiciário se trata de um ambiente técnico e regido por regras. Os procedimentos na ciência do direito são tão relevantes quanto a matéria ali discutida, uma vez que se nota que em certos casos o procedimento se sobrepõe ao posto no mérito dos autos, em especial quando observamos a declaração de nulidade de processos inteiros pela não obediência ao rito processual.
Não estamos asseverando que a vestimenta incidiria decisivamente na sentença do juiz, mas o respeito ao ambiente e as regras postas torna o ambiente, independente de onde esteja ocorrendo, propício para discussão exclusiva de ideias técnicas e valorosas.
O formalismo tão exigido no meio jurídico é reflexo da relevância dos temas ali discutidos, o regimento interno dos tribunais existe como uma garantia infralegal para que os procedimentos sejam obedecidos, não se deve esquecer que o magistrado, promotor e advogado estão ali representando não somente seus interesses particulares, mas sim a justiça brasileira.
A formalidade necessária, mesmo nos julgamentos virtuais, significa a deferência ao que o ordenamento jurídico representa em nossa sociedade, o respeito aos ritos regimentais e aos demais símbolos do nosso judiciário (como a utilização da toga) sustentam essa representatividade e revigoram a importância do judiciário como poder mediador dos mais complexos conflitos presentes na comunidade.
Por fim, a liturgia se faz necessária para que não esqueçamos da representatividade do nosso judiciário e que independente de onde estejamos, em casa ou no escritório, as regras regimentais e históricas deverão ser obedecidas para que o caminho justo e legal se mantenha no curso atual.
Welson Oliveira – Possui graduação em Direito pela Universidade Estadual do Piauí – UESPI. Advogado. Mestre em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público ( IDP/DF), com mobilidade acadêmica na Universidade de Granada na Espanha.