DISCUSSÃO SOBRE A POSSIBILIDADE DE REALIZAÇÃO DE DESCONTO DAS HORAS NEGATIVAS DO BANCO DE HORAS – TST – RR: 0000116-23.2015.5.09.0513, DE RELATORIA DA MINISTRA MARIA HELENA MALLMANN
Recentemente, em 01/03/2024, o Tribunal Superior do Trabalho publicou importante acórdão sobre o julgamento acerca da possibilidade de realização de desconto das horas extras negativas do banco de horas do empregado ao final de doze meses de trabalho ou por ocasião da rescisão do contrato de trabalho do obreiro.
O caso, em específico, tratava-se de uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho da 9ª Região em face do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Londrina e Região e PZL Indústria Eletrônica Ltda., que tinha como objeto obrigação de não fazer consistente na abstenção de firmar instrumentos coletivos com previsão de desconto do saldo negativo do “banco de horas” ao final de 12 (doze) meses ou nas verbas rescisórias, em casos de pedido de demissão ou dispensa por justa causa.
Em sede de acórdão, o TST, inicialmente, informa que, anteriormente, adotava entendimento de invalidade de cláusula normativa com previsão de desconto de horas extras não compensadas no salário ou nas verbas rescisórias, haja vista a ausência de previsão legal, bem como por configurar transferência dos riscos da atividade econômica para o trabalhador.
Todavia, afirma que, no julgamento do ARE n. 1.121.633, em regime de Repercussão Geral, o Supremo Tribunal Federal firmou tese no sentido de que “são constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis” (Tema n. 1.046).
Assim, após a publicação do acórdão em que se consagrou a Tese n.º 1.046 da Tabela de Repercussão Geral, ficou claro que o Supremo Tribunal Federal acabou por reafirmar a jurisprudência construída por décadas no âmbito desta Corte Superior. De fato, “são excepcionais as hipóteses em que acordo ou convenção coletivos de trabalho podem reduzir garantias previstas no padrão geral heterônomo justrabalhista” e que “isso ocorre somente nos casos em que a lei ou a própria Constituição Federal expressamente autoriza a restrição ou supressão do direto do trabalhador”.
Logo, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a redução ou limitação dos direitos trabalhistas pelos acordos coletivos deve, em qualquer caso, respeito aos direitos absolutamente indisponíveis assegurados (i) pelas normas constitucionais, (ii) pelas normas de tratados e convenções internacionais incorporadas ao Direito Brasileiro e (iii) pelas normas que, mesmo infraconstitucionais, asseguram garantias mínimas de cidadania aos trabalhadores.
A Suprema Corte, portanto, prestigiou a negociação coletiva, mas ressalvou aqueles direitos considerados de indisponibilidade absoluta.
Todavia, segundo o entendimento da Suprema Corte, o caso em análise não diz respeito a direito indisponível, porque o regime jurídico assegurado pela Constituição Federal atinente ao labor sobrejornada foi preservado. De acordo com a Lei Maior, a prestação de serviços além da duração semanal ou diária fixada na lei ou no contrato individual enseja o pagamento das horas extras com adicional de, no mínimo, cinquenta por cento em relação ao salário-hora normal (art. 7º, XVI, da Constituição Federal) ou compensação de horários (art. 7º, XIII, da Constituição Federal). Não há dúvidas de que o “banco de horas” é uma dessas modalidades de compensação.
Assim, nos termos do entendimento do Supremo Tribunal, a instituição de “banco de horas” com a possibilidade de desconto do tempo injustificadamente não trabalhado ao final de cada período de 12 (doze) meses ou nas verbas rescisórias em casos de pedido de demissão ou dispensa por justa causa não é incompatível com a Constituição Federal, tratado internacional ou norma de medicina e segurança do trabalho.
Aliás, ao menos em regra, a norma autônoma em questão oferece ao trabalhador a chance de compensar, no período de 12 (doze) meses, as faltas e atrasos antes do desconto em folha de pagamento, regime mais benéfico do que aquele estabelecido no art. 58, §1º, da CLT. Frise-se que não há registro de qualquer comportamento malicioso do empregador no sentido de surpreender seus empregados ocultando-lhes o saldo negativo do “banco de horas” ou impedindo-lhes dolosamente a compensação do débito.
Desse modo, à luz da tese vinculante do STF, o TST achou por bem aderir ao referido entendimento, reconhecendo a validade da norma coletiva que prevê os descontos de horas não trabalhadas no salário e/ou nas verbas rescisórias.
Assim, em resumo, o Tribunal Superior do Trabalho, por meio do julgamento do RR n° 0000116-23.2015.5.09.0513, de relatoria da Ministra Maria Helena Mallmann, entendeu por bem acompanhar o entendimento do Supremo Tribunal Federal a fim de considerar válida norma coletiva que prevê os descontos de horas não trabalhadas no salário e/ou nas verbas rescisórias.
Ou seja, segundo referido julgamento, é possível o desconto do saldo negativo de banco de horas estabelecido em sede de acordo ou convenção coletiva de trabalho ao final de doze meses de trabalho ou no momento da rescisão do contrato de trabalho a pedido do empregado ou motivada, uma vez que ele não é incompatível com a Constituição Federal, tratado internacional ou norma de medicina e segurança do trabalho.
Por: Sorência Madeira de Vasconcelos
Graduada em Direito pelo Instituto Camilo Filho
Pós-graduanda em Direito Tributário e Processo Tributário
Pós-graduanda em Direito do Agronegócio
Advogada