Dentre as diversas competências dos Tribunais de Contas está a de fiscalizar os contratos pactuados pela Administração Pública. A Constituição Federal de 1988, confere a esse órgão de fiscalização o poder de assinar prazo para que a Administração corrija eventuais irregularidades encontradas, caso essa irregularidade advenha de um ato, poderá sustar a sua execução, quando não atendido ao prazo estabelecido. Por outro lado, em se tratando de contratos, a Constituição Federal prevê que a sustação apenas poderá ser ordenada pelo Poder Legislativo, a qual compete demandar que a Administração adote as medidas necessárias, e, caso se mantenham inerte tanto o Poder Legislativo ou a Administração, os Tribunais de Contas poderão decidir a respeito.
Contudo, a imprecisão da expressão “decidirá” tem gerado controvérsias quanto à interpretação das competências dos Tribunais de Contas em relação aos contratos administrativos. Poderá os Tribunais de Contas sustar os contratos administrativos diante de uma ilegalidade e a inércia do Poder Legislativo e da Administração Pública?
Nos últimos anos é notório que as Cortes de Contas têm deflagrado uma intervenção mais constante no âmbito da sustação dos contratos administrativos, principalmente, por meio da utilização das medidas cautelares. Considera-se que o estopim para essas intervenções teve como aval o julgamento do MS 24.510/DF julgado pelo Supremo Tribunal Federal.
No referido julgado, o STF utilizando-se da teoria dos poderes implícitos, reconheceu que os Tribunais de Contas detém um poder geral de cautela, como um meio necessário para assegurar a efetividade da sua função de fiscalização.
Contudo, o posicionamento adotado pelo STF não tem apoio da maioria doutrinária brasileira. Para essa parcela de administrativistas, a aplicação do poder geral de cautela pelos Tribunais de Contas deve ser interpretada em estrita consonância com o texto constitucional. Assim, esse órgão de fiscalização não deteria o poder de sustar cautelarmente as contratações realizadas pelo Poder Público, pois no caso dos contratos, a CF/88 previu expressamente essa competência ao Poder Legislativo.
No que toca à expressão “decidirá a respeito”, contida na redação do art. 71, § 2° da CF/88. O significado dessa expressão não seria a autorização para decidir sobre a suspensão cautelar dos contratos administrativos, mas sim sobre a decisão dentro de sua competência para avaliar as contas dos administradores, seja aprovando ou reprovando as contas, e decidindo sobre a nulidade ou validade do contrato.
Por outro lado, há uma parcela da doutrina que endossa a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal. Sustenta essa parte da doutrina que as Cortes de Contas possuem um poder geral de cautela, conferido implicitamente pela Constituição Federal, pois a o texto constitucional não é capaz de prever expressamente todos os meios que um órgão ou entidade possuem para executar as suas funções. Quanto à expressão “decidirá a respeito”, defendem que a competência para sustar os contratos administrativos retorna para os Tribunais de Contas, quando decorrido o prazo de 90 dias e o Poder Legislativo ou o Executivo não efetivaram a sustação do contrato impugnado.
Ante o exposto, repisa-se, os Tribunais de Contas são instituições essenciais para garantir o bom emprego do dinheiro público na satisfação do interesse coletivo. Entretanto, considerando a partilha constitucional de competências, deverá ser revisto com cautela a competência dos Tribunais de Contas suspender cautelarmente os contratos administrativos. Nessa perspectiva, deve se atentar que essas sustações cautelares podem provocar o periculum in mora inverso, pois ao suspender a execução de um contrato poderá ter como resultado a interrupção de prestação de serviços essenciais à população ou a paralisação de obras que proporciona melhores condições para a sociedade, por exemplo. Ademais, outro ponto que merece atenção é aos danos causados às empresas privadas, que em alguns casos não guarda nenhuma relação com as possíveis irregularidades constatadas pelo órgão de fiscalização, podendo a suspensão de pagamentos aos serviços prestados ocasionar danos significativos na saúde da empresa, por exemplo.
Portanto, a sustação cautelar de contratos administrativos pelas Cortes de Contas vai além de questões de repartição de competências constitucionais, mas reflete na concretização dos interesses públicos, tendo em vista que os contratos administrativos são os meios utilizados pela Administração Pública para consubstanciar os interesses da sociedade.