As vacinas são uma das mais efetivas ferramentas para proteção das pessoas contra a covid-19. Como resultado de sua eficácia, com o avanço da campanha de imunização o número de óbitos diminuiu significativamente, o que permite a retomada gradual das atividades.
Para garantir a proteção da coletividade, foi sancionada e depois ratificada pelo Supremo Tribunal Federal, a lei 13.979/20 que estabeleceu restrições aos cidadãos que não desejassem se imunizar.
Subsidiariamente, passou-se a ventilar a possibilidade de implementação do passaporte vacinal, limitando ainda mais os ônus para os não vacinados. Dentre as restrições estaria a limitação para entrada em estabelecimentos públicos e privados, possibilidade de rejeição de matricula em instituições públicas, dentre outras medidas que sabiamente contribuem para a proteção da saúde pública.
Entretanto, na última semana a mídia veiculou a notícia da recusa de um hospital nos Estados Unidos da América em não realizar o transplante de coração de um indivíduo que se recusou a tomar a vacina contra a Covid-19. Diante disso, tendo em vista eventual recusa de uma entidade pública brasileira de agir em situação análoga, qual o limite jurídico e ético para tal restrição?
A própria concepção do Estado moderno pressupõe sua existência não apenas para garantir a execução de políticas públicas à coletividade, mas também para assegurar a liberdade do indivíduo como sustentáculo da sua dignidade, inclusive protegendo-o de eventuais decisões autoritárias por parte do Estado.
Deste modo, muito embora seja razoável restringir determinados serviços a aqueles que optam por não se vacinar, não é aceitável que em qualquer estado democrático de direito, a sua própria condição existencial seja limitada por sua ideologia, por mais absurda que seja. O valor da liberdade, que garante ao indivíduo o direito a não aceitar tratamento médico ou transfusão de sangue, por exemplo deve ser usado de modo semelhante nestas situações.
Como bem explanou o escritor alemão Robert Alexy em sua brilhante teoria sobre os direitos fundamentais, em caso de colisão de princípios usa-se a ponderação entre princípios. E nos casos de colisão entre o direito fundamental da liberdade de um indivíduo e o exercício da liberdade de outras pessoas, é razoável que para determinadas situações seja restringida sua liberdade, entretanto, não é aceitável que sua dignidade humana seja degradada, que o direito à vida seja mitigado e que sua ideologia seja colocada como parâmetro para viver ou morrer.